delírios de momento

16 março 2007

despedida

Dia difícil. Domingo dias das mães com o vô no hospital. Ele com as últimas forças, tentando aguentar. Um ano sem comemorações para as mães daquela família, que só aproveitam os abraços daqueles amigos pra receber um pouco mais de energia pra segurar essa barra.

Uma das netas viaja de longe pra ver a mãe e o avô. Essa pode ser a última chance de ver seu avô tão querido, que sempre morou ao lado e nutria um carinho especial por essa neta - e ela por ele. Mas ninguém quer que ela vá vê-lo no hospital. Todos acham melhor que ela mantenha na memória a imagem dele bem, saudável e feliz. Seria muito difícil vê-lo naquela situação, ligado a máquinas, sem poder falar, pálido. Teu vô vai saber que tu queria ter estado com ele, minha filha. Senta sozinha no teu canto, pensa nele, manda tuas energias e lembra dele aqui do teu lado. Feliz, falando contigo. Guarda essa imagem boa...
O dia passa. E ela com aquele aperto no peito, querendo ver seu avô. Final do dia, ela pega o onibus pra voltar pra cidade que mora. Difícil ir embora. Compra uma revista pra ler e tentar mudar o pensamento. Entra no ônibus. No meio do caminho, adormece. E sonha. E o sonho parece ser daquele exato momento que ela está: dentro do ônibus, olhando pela janela, vendo a cidade dela chegando. Mas ela olha pro banco ao lado e está ali sentado o seu avô. E com um sorriso, ela logo fala pra ele: já estamos chegando, vô. Vamos levantando que nós já estamos chegando. O avô, bem sereno e com um olhar profundo naqueles seus olhos azuis, dos quais a neta puxou tanto a cor, quanto a sensibilidade e a facilidade para chorar, disse: você está chegando, minha filha, mas eu ainda tenho bastante pra andar... Você fica bem aqui, que eu vou ficar muito bem por lá. Mas agora eu ainda vou longe...

A neta acorda. E vê que estava exatamente no ponto da cidade em que ela sonhou, chegando ao seu destino. Os olhos quase não continham as lágrimas. De repente a angústia se transformou em um sentimento muito bom. Parece que ela conseguiu guardar a imagem boa que a mãe havia pedido. Logo pensa em ligar pra mãe e contar. Pega o celular, mas estava sem bateria.

Ela desce do ônibus, pega um táxi, chega em casa e a primeira coisa que faz é ligar pra mãe. Mas do outro lado da linha, a mãe mal deixa a filha dar oi e vai dizendo: o vô acaba de falecer, filha.


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