Deve haver um lugar
Uma dimensão perdida
No espaço entre nossas vidas

Onde estamos juntos
Com uma casa esperando filhos

E na parede uma foto
Onde a barra do teu vestido de noiva
Carrega as marcas da dança
E teu rosto um sorriso de aliança

Deve haver
Em algum universo

Paralelo

Ponteiros que esperam
Que eu volte do trabalho

Com um vinho para a janta
Com as fotos impressas
Do último fim de semana

E sobre a cama
Você aguarda
O beijo

Minha boca em teu seio

Deve haver um mundo alheio
Onde somos inteiros


Vidro

Minha janela
Tem um vidro

Quebrado


Sempre quebra
Do mesmo lado

Esquerdo

Já não troco mais
O vidro

Trincado

Sempre o mesmo vinco
Repetido

Sempre a mesma frase
Cortante

O que essa palavra
Esse eco de vidro

Quer dizer aos meus ouvidos?


Não fique


Não pare assim tão perto
Que os olhos não disfarçam direito

E arrancam teu vestido
E não é bom que todos vejam

Tua nudez em meus olhos

Não cruze assim
As pernas

Que me vejo entre tuas coxas
Procurando o céu em teu ventre

E não há quem aguente
Sonhar o que a cama vazia desmente

Não fique nunca ao meu alcance
Exigindo do corpo a mais forte das forças

Que arrombo as portas da tua roupa



Quero

Eu quero a delicadeza
Mesmo que o dia

Lá fora

Não me deixe esquecer suas horas
Com a data marcada de agora

Onde o amor já não diz nada
Eu quero a inversão maior

Amar de fora
Para dentro

Um amor de pétala
Cheio de cuidado

E entrega

Uma oferenda branca
A uma santa negra

Que não se importa
Com quem lhe dá as costas

Em sua fé crucificada

Quero a voz segura
Para rezar essa palavra

Com as mãos espalmadas
De quem oferece

Em sua prece

Quero não ter medo
De acabar ridículo

Pregando em uma praça
Caindo em desgraça

Xingado aos gritos

(Nada mais maldito
Que um amor bonito)



Everton Behenck