delírios de momento

31 outubro 2008

locked in

Me lembrei de novo esses dias de um episódio que aconteceu comigo esse ano e me impressionou, me marcou muito! e que não falei dele por aqui.

Lá no meio do ano eu assisti o filme "O Escafandro e a Borboleta". Tava louca pra ver, sabia que era triste, mas eu tinha ouvido boas críticas a respeito e fiquei curiosa - tanto pela proposta cinematográfica, também por conhecer outro filme do mesmo diretor e adorar, quanto pela história.
O filme é a história real (adaptação de um livro) de um cara editor da revista Elle, que sofreu um derrame e ficou completamente paralisado. Ele teve o que é conhecido como "síndrome do encarceramento ou locked-in" - a pessoa perde todos os movimentos do corpo, exceto o dos olhos. Ela tem total consciência de tudo, o cérebro funciona perfeitamente, a pessoa sente tudo, mas é incapaz de se mover, de falar, de se comunicar. Fica presa dentro dela mesma. Só move os olhos. Pra piorar a situação, esse cara do filme ainda perdeu o movimento de um dos olhos, só restou conseguir mexer um deles - o esquerdo.
Passando quase todo o tempo deitado numa cama, ele consegue aprender (com a ajuda de uma fonoaudióloga que estuda o caso dele) uma forma de se comunicar. Ela coloca todas as letras do alfabeto na ordem que são mais utilizadas e vai citando o alfabeto inteiro. Ele deve piscar quando ela disser a letra que ele quer usar para formar uma palavra, depois uma frase e assim por diante. E foi assim, letra por letra ditada, que ele escreveu um livro sobre toda a sua experiência nessa situação. Que virou esse filme.
Vai dizer que essa história por si só já não desperta interesse?

Mas além da história, o filme ainda é excelente pelos aspectos cinematográficos... a fotografia e a sensibilidade como tudo é contado são incríveis! No começo da história, o ponto de vista é do enfermo. A gente vê pelos olhos dele, da forma como ele enxerga - o que causa uma experiência sensorial diferente. Durante todo o filme o espectador é cúmplice do personagem principal, pois só nós conseguimos saber - e ouvir - todos os pensamentos dele. Depois, o jeito que é mostrado os sentimentos que ele passa e a evolução desses sentimentos - chegando a ter momentos engraçados, que o próprio personagem consegue encontrar senso de humor dentro da sua situação trágica. A gente ri e chora. Chora muito!

E aconteceu que pra mim a história não terminou aí. Não foi apenas a experiência de assistir um filme, pensar e sentir com ele, e depois tudo isso passar.
Uma semana depois de ter ido no cinema assistir a isso, fui fazer as minhas unhas. E acabei indo num salão que não costumo ir, porque decidi em cima da hora. Tava bem bela sentada na poltrona e jogando conversa fora com a manicure, quando sentou numa poltrona em frente uma mulher em cadeira de rodas pra fazer escova no cabelo. Achei bacana, de cara, uma pessoa que mantém a vaidade numa condição que deve ser bem difícil de se viver. Mas a situação dela era mais complicada do que eu imaginava. Pois não é que quando o cabeleireiro terminou de fazer a escova, chega do lado dela uma outra mulher e começa a ditar o alfabeto?? eu me arrepiei da cabeça aos pés quando ouvi a primeira letra!!! E a cadeirante piscou o olho e elas foram formando palavras....
Tava ali, na minha frente, uma pessoa com a mesma condição do cara do filme que tinha me marcado tanto.
Vi a outra mulher, que deve ser enfermeira ou algo assim, arrumando o apóio de cabeça da cadeira e ajeitando a moça o mais confortavelmente possível. Vi ela limpar o canto da boca com um pano, cuidando com o descontrole da baba... Vi a mãe da cadeirante se aproximar e falar com ela.
Até que ela olhou pra mim e eu abri um sorriso direto. Foi instantâneo sorrir pra uma pessoa que consegue viver naquela condição! E senti um sorriso dela de volta. Um sorriso de canto, um sorriso que se vê mais nos olhos. E depois, pelos instantes que ela permaneceu ali, ela continuava olhando pra mim e eu olhando pra ela e sorrindo... e eu, falando devagar, só movimentando a boca pra ela ler meu lábios, disse que ela tinha ficado linda!
Quando nossa troca de energia acabou e ela saiu dali, eu comecei a chorar. Foi tão forte ver isso assim de perto. Imaginar como se sente alguém que vive assim. Fico sem palavras pra explicar.

As gurias do salão me disseram que ela é cliente fixa, que vai toda semana arrumar o cabelo. Que a mãe dela faz questão de mantê-la sempre arrumada.
Uma mulher que devia ter menos de 30 anos.
Pensa também o que é pra uma mãe passar por isso com uma filha...

eu fiquei imensamente emocionada, passei dias pensando naquilo e pensando na minha vida. Em tudo que eu tenho e também no que pode acontecer de um minuto pro outro. Acho que foi o episódio mais marcante pra mim nesse ano. Que me faz refletir, que me faz ter forças pra qualquer batalha que apareça - assim espero que sempre seja!! Porque nem consigo imaginar como eu me sentiria se tivesse na mesma situação. A força que é necessária pra seguir em frente e não dizer, letra por letra pra quem está ditando o alfabeto: "prefiro morrer".
A gente fica agradecida por ter a vida que tem. Mas o mais valioso não é isso. É pensar em sempre seguir em frente. Em ter forças pra tudo, porque a gente tem tudo.

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2 Comments:

  • Oi Roberta, cheguei até o teu blog por acaso. não nos conhecemos, acho.
    li este post e achei lindo, lindo. Fiquei muito emocionada com o teu relato. que coisa incrivel isso que te aconteceu. a meu ver, coincidências nao existem. o filme te tocou profundamente e, por algum porquê, tu te deparaste com esta situação na vida real. poderias ter baixado o rosto e desviado o olhar como muitos teriam feito, mas deste um sorriso. um tocante sorriso.

    By Blogger Papillon, at 05 novembro, 2008 08:56  

  • Fui até o mapa procurar onde fica Hossegor!! hehehe. bom, perto de bordeaux, ça va! estamos perto da mesma costa, mas ela ao sul e eu ao norte... me mande o email ou blog dela, afinal, se brasileiro no exterior ja se considera irmão, imagina então gaucho se encontrando!
    bom e que estas energias continuem nos movendo!
    Vou ficar de olho no teu blog também!
    Abraços grandes

    Ps: Alias.. nosso elo de ligaçao, aparentemente, é a Marga e o Carlinhos...

    By Blogger Papillon, at 06 novembro, 2008 07:43  

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