delírios de momento

23 novembro 2005

solidão

ele era um homem solitário.
a família o renegou: o pai abandonou a esposa e 3 filhos quando ele tinha 4 anos. a irmã faleceu aos 18, num trágico acidente de carro, quando ele tinha 15. Ele e o irmão não conversavam há 10 anos, desde que esse mudou-se para o exterior para seguir sua carreira de empreendedor bem sucedido - dia em que os dois brigaram de socos por alguma estúpida besteira que o outro disse (mais uma entre o mar de brigas em que eles sempre viveram). A mãe sempre preferiu o irmão e sempre considerou ele como a ovelha negra, o vagabundo, o marginal da família.
os amigos nunca foram sempre amigos. por mais que ele confiasse piamente num, sempre chegava uma hora em que esse o traía ou decepcionava.
as mulheres passaram na sua vida. só passaram. nenhuma pra ficar.
a paixão chegou a existir, mas ele nunca foi realmente feliz ao lado de alguém.


ele era um homem solitário por opção.
o pai fazia tentativas de falar com ele todos os meses há mais de 5 anos.
a mãe nunca deixou de falar. Ligava, mandava presentes, escrevia cartas enormes contando tudo que vivia e falando de tudo que lembrava dele, de como gostaria de dividir aquelas alegrias com ele, ao imaginar como ele reagiria... Ela sempre o observou de longe, tirando fotos que guardava num grande álbum. Chorava toda vez que as revia, sentindo o maior vazio existente pelo filho que não a respondia, procurava e ainda fingia que não a via.
os amigos ele deixou feridos. sentem-se culpados por um dia terem cometido algum erro idiota que os levou a perder a amizade do grande amigo.
as mulheres passaram. mas obrigadas, não por vontade própria. todas se foram, mas ficaram com ele no coração. e dele guardavam as melhores lembranças de paixões intensas, entregas, romantismo já feitas por um homem.

ele era um homem nada solitário.
porque para ele, a presença de si mesmo era a melhor companhia.
conversava consigo mesmo, contava histórias pra si mesmo, amava a si mesmo, fazia sexo consigo mesmo.

ele era o homem mais solitário de todos.
porque era solitário de coração, mente, corpo e alma.
inteiramente solitário, dos pés à cabeça, porque não poderia viver de outra forma.


mas no seu enterro, as pessoas presentes não cabem no cemitério.
todos que passaram em sua vida, mesmo renegados por ele, ali estão.
porque todos o admiram verdadeiramente.

e a última mulher que o tinha amado, ali chora...
a única mulher a quem ele verdadeiramente amou.

e ele, do outro lado, observa tudo aquilo. triste e feliz ao mesmo tempo.
morreu de amor...

"deixei de ser solitário.
mas não sobrevivi"


Marcadores: